A Guerra dos Chips: quais os últimos desenvolvimentos entre os EUA e a China?

27 de agosto 2023 - 12:51

Depois de sucessivas rondas dos EUA limitarem o acesso de Pequim a tecnologia necessária para a produção de microchips, a China respondeu no início deste verão com a limitação de exportações de matéria-prima crítica, o que também tem impacto na indústria verde europeia.

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Bandeiras dos EUA e da China. Ilustração de Territory of American Canada/Wikimedia Commons.

Depois de sucessivas rondas dos EUA limitarem o acesso de Pequim a tecnologia necessária para a produção de microchips, a China respondeu no início deste verão com a limitação de exportações de matéria-prima crítica, o que também tem impacto na indústria verde europeia.

Na quarta-feira, surgem notícias sobre a possibilidade da gigante chinesa Huawei estar a construir uma rede secreta de produtores de chips para contornar as sanções americanas.

Semicondutores: o que são e como são produzidos

De forma simplificada, um semicondutor, também chamado de circuito integrado, microchip ou chip computacional, é um dispositivo eletrónico minúsculo, composto por milhares de milhões de componentes que permitem armazenar, mover e processar dados. Quanto mais sofisticada for a sua produção, maior a capacidade de processamento dos semicondutores.

A tecnologia de microprocessamento está presente em virtualmente todos os dispositivos tecnológicos, desde telemóveis a supercomputadores, passando por equipamento militar e desenvolvimento da Inteligência Artificial. O jornal Aljazeera sublinha que são atualmente considerados tão relevantes economicamente como o petróleo.

 

O setor de produção de semicondutores é de uma grande complexidade uma vez que o equipamento, o material utilizado e os produtos finais são extremamente variados. Nas últimas décadas, o setor caracterizou-se pela diferenciação e hiperespecialização.

George Calhoun explica que existem quatro passos básicos na produção do setor: (1) o design do produto, (2) o fabrico que converte o design num produto físico, aí chamado de chip, (3) a montagem e embalagem do dispositivo fabricado para conectar o circuito integrado num ambiente externo (por exemplo, num telemóvel), e (4) a produção do equipamento para fabricar o semicondutor, parte isolada das restantes.

Atualmente, os países que dominam a produção global de semicondutores são os EUA, Taiwan, Japão e a Coreia do Sul. Os EUA lideram a quota de mercado no design de chips com tecnologia de ponta, o Japão encabeça a produção do equipamento de manufaturação, e Taiwan e a Coreia do Sul lideram o fabrico dos chips, tendo se especializado no segmento mais avançado e utilizando o design de empresas estrangeiras.

Segundo o The Guardian, a China consome cerca de ¾ dos semicondutores produzidos globalmente, mas apenas é responsável por cerca de 15% da produção mundial. Peritos defendem que os produtores chineses estão quatro a cinco anos atrasados face aos seus competidores.

EUA: relação comercial com a China em transformação

Os EUA e a China têm laços comerciais e económicos muito estreitos, tendo o desenvolvimento económico de cada um dependido do outro nas últimas décadas. Contudo, as relações entre os dois países têm sido gradualmente alteradas. Edward Luce, cronista no Financial Times, defende que os EUA passaram do “velho Consenso de Washington” de integrar a China para um novo de “desintegrar a China”.

A administração de Baraka Obama promoveu um maior envolvimento e investimento nos países da Ásia-Pacífico através do seu programa “Viragem para a Ásia”. Como resposta, em 2015, a China apresentou o seu programa estratégico "Made in China 2025" com o objetivo de melhorar a sua posição na cadeia de valor global ao ser uma potência produtora de tecnologia avançada, como redes de comunicação, chips, robótica e carros elétricos. A gigante Huawei assumia uma posição central nessa estratégia.

Em 2018, Donald Trump argumentava que a balança comercial entre os dois países estava desequilibrada e que era necessário proteger a propriedade intelectual dos EUA. Começou então uma guerra comercial contra a China ao impor tarifas aduaneiras a bens chineses, incluindo os semicondutores. A partir de 2019, incluiu as grandes empresas tecnológicas chinesas de comunicação e de produção de microchips numa lista de empresas consideradas de risco, dificultando o seu negócio com o setor exportador norte-americano. A Huawei era o alvo principal.

Biden manteve as tarifas e sanções de Trump às empresas chinesas e incentivou a deslocação das empresas sediadas na China para território norte-americano ou aliado. Para além disso, definiu a política industrial como estratégia, subsidiando setores-chave através da Lei do Chip e da Ciência e da Lei da Redução da Inflação.

Japão e Países Baixos acompanharam EUA na restrição de exportação tecnológica para a China

Em outubro do ano passado, Joe Biden aprovou uma série de limitações à exportação de certos semicondutores, bem como o software, tecnologia e materiais necessários à produção de microchips. O departamento do comércio dos EUA disse que pretende “restringir a capacidade [da China] de obter chips de computação avançados, desenvolver e manter supercomputadores e fabricar semicondutores avançados”, sendo o objetivo atrasar o desenvolvimento tecnológico e militar chinês.

Para além disso, discutiu-se como possíveis futuras restrições, impossibilitar cidadãos norte-americanos ou portadores de Green Card de trabalharem em certos setores tecnológicos para empresas Chinesas.

Um representante da administração Biden disse à Reuters na altura “Reconhecemos que os controlos unilaterais que estamos a implementar perderão eficácia ao longo do tempo se outros países não se juntarem a nós (...) E corremos o risco de prejudicar a liderança tecnológica dos EUA se os concorrentes estrangeiros não implementarem controlos semelhantes”.

Pouco tempo depois, ficou claro que o Japão e os Países Baixos se iriam aliar aos EUA na restrição de exportações tecnológicas à China. No final de março, o Japão anunciou os 23 tipos de materiais semicondutores que necessitariam de licenciamento aprovado para serem exportados para a China. Por seu turno, no final de junho, o Ministro do Comércio Holandês anunciou as suas limitações à exportação de equipamento semicondutor.

China restringe exportação de gálio e germânio

Como retaliação, em maio, a China proibiu a venda de produtos da norte-americana Micron Technology sob o argumento de representar um "risco para a segurança nacional".

Para além disso, no início de julho o Ministério do Comércio chinês anunciou que iria limitar a exportação de matéria-prima essencial para a produção de semicondutores, nomeadamente gálio, germânio e derivados dos dois metais. A partir de 1 de agosto esta decisão tornou-se vinculativa com a emissão de uma diretriz pelo Ministério do Comércio.

Para que se tenha noção da relevância desta decisão, a China é à data o maior produtor mundial dos dois metais: é responsável por mais de 95% da produção de gálio e 67% da produção de germânio. Por outro lado, em 2022, os maiores importadores de produtos com gálio foram o Japão, a Alemanha e os Países Baixos, e de germânio o Japão, França, Alemanha e os Estados Unidos.

Esta decisão é particularmente relevante porque fragiliza uma grande parte da produção industrial da União Europeia, nomeadamente setores necessários para a transição energética.

Biden limita investimento em tecnologia crítica na China, mas menos do que o esperado inicialmente

Esta escalada, levou Janet Yellen, secretária de Estado do Tesouro dos Estados Unidos, a ter apelado a uma cooperação com a China. No início de julho, em visita oficial a Pequim, defendeu que os dois países devem "diversificar e não dissociar", uma vez que "uma separação das duas maiores economias do mundo seria desestabilizadora para a economia mundial e virtualmente impossível de realizar".

Biden aprovou recentemente, a 9 de agosto, uma ordem executiva que limita o investimento norte-americano em empresas chinesas que trabalham com tecnologia considerada sensível. A versão final afigura-se muito mais restrita do que previsto inicialmente, direcionando-se apenas a empresas ligadas a semicondutores e microeletrónica, computação quântica e sistemas de inteligência artificial apenas para fins militares.

Esta medida visa as empresas norte-americanas que pretendam entrar no capital acionista destas empresas chinesas, por exemplo, através de fusões, aposta em capital de risco, joint-ventures ou acordos de financiamento. Investimentos passivos não são abrangidos e o Departamento do Tesouro debate criar isenções para o investimento norte-americano em instrumentos que estejam em bolsa.